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A alma na pedra

A alma na pedra - m

sem esquemas, que uma mão traçou isso tudo para mim, para nós. Queria ver, sempre, nas sombras dos muros a projeção de um grande sol. Acreditar que tudo o que ocorre entre o céu e a terra é sempre colorido com o mesmo amor com que Deus colore as manhãs, cada dia diferente, mas sempre com o mesmo amor. Amor! Por todas as coisas do céu e da terra. Cada hora brilhante como uma estrela cometa, rica de uma necessidade de eterno. Deus e alma. Amor. Porque é Deus e seu Amor que nos permite a paz, a tranqüilidade, a força e a esperança. E eu sei, nem o céu nem a terra podem me dar o que ainda não encontrei dentro de mim mesma.

Eu sinto medo e eu não quero sentir medo. Ninguém, nunca, conseguiu domar os furacões senão Deus e, mesmo se meu cálice é, assim, amargo, transbordante de fel dos silêncios coados, quero ser forte e acreditar. Acreditar que não importa o que aconteça, sempre vou encontrar exílio, em qualquer tempo, em qualquer lugar, em Deus. Porque o Deus que vive dentro de mim é autêntico, verdadeiro e único. Às vezes se chama amor, mas outras vezes se chama sabedoria, fé, paciência, esperança, qualquer coisa feliz, mas sempre, sempre Deus. Quero retomar o caminho que me leva em direção ao meu eu, Sole. Quero fazer meu sonho subir aos céus para que os anbsoc5 o escutem. Porque não existe nada pior que uma consciência órfã. Tem sabor de coisas acabadas. Queria saber dizer como e porque, detrás de cada simples palavra, existe um grito onde o nada e a solidão direcionam o destino para o único horizonte certo: para dentro e para o Alto.

 

 

MOMENTOS E DIAS

 

As minhas palavras têm sabor de raízes longínquas, de saudades. Minha voz parece rouca, não pela discrição. Aprendi a não abraçar, a não desejar bom-dia, a defender com unhas e dentes tudo o que diz respeito à minha verdadeira terra. Minha voz, talvez seja apenas pedra e incerteza, insegurança e medo da vida. Mas é uma voz. Não apenas por mim, mas por tantos que silenciaram, não protestaram, não denunciaram. Pela sua aceitação de um destino imposto, de momentos tão dolorosos, guardados e silenciados.

Mas porque o medo do grito? Porque sentir medo desses dourados e ricos senhores da península que, com sua prepotência, apenas poluem mar e consciências? No Brasil existem favelas? Sim. Mas aqui, mesmo que digam ‘negros’, esses dormem em caixas de papelão, nas praças, no frio: a polêmica social bem casada com sinais arcaicos de civilização. Eles vêm por conta própria, tudo bem. Quando a polícia os prende, são enviados de volta. Mas porque a ‘questura’ faz tanto ‘Permesso di Lavoro’, se não são considerados bem-vindos? Verdadeiramente, não consigo entender os prós e os contra de toda essa história. Talvez os poderosos os tragam e aceitem porque precisam de mão de obra, mas o povo... O povo não sabe dos particulares e é verdadeiramente insuportável o tratamento que recebemos. Digo ‘recebemos’ porque também somos de outro país, mesmo tendo cidadania italiana. Eles pronunciam a palavra ‘brasileiro’ com um tom de sarcasmo, racismo e prepotência. ‘País do carnaval, do samba, do futebol, das favelas’. Como colocar na cabeça desses ‘polenton’ que o Brasil é um país imenso, lindo, industrializado, avançado tecnologicamente, que temos energia elétrica, sim. Que não viajamos de uma cidade a outra pendurados em um cipó, que em matéria de informática, acredito sermos mais avançados e que somos alfabetizados. Como podem nos ridicularizar sem ter conhecimento? São as contradições: nós somos Terceiro Mundo, mas quem não sabe são eles. Aproveito para colocar uma frase, que penso caber bem aqui, do Longanesi: “Um estúpido é um estúpido. Dois estúpidos são dois estúpidos. Dez mil estúpidos são uma força histórica.”

A palavra, falada ou escrita, é ação e reflexão. É memória. Um hino à liberdade e à verdade que conduz a um perfeito desenho da realidade aqui vivida, ou sobrevivida. Se todos calarem, o escuro absoluto, aquele que nos torna cegos, será eterno. Se Deus me deu o dom de ouvir e ver, deu também a condição de procurar saber. Eu quero entender. Eu preciso entender.  Somente observando e analisando os fatos vou poder encontrar o ponto onde a linha mudou de direção.  Hoje, aqui e agora, contestar é criar. As injustiças nascem por culpa de quem as inventa, mas também por culpa de quem as aceita tranqüilamente sem opor resistência. Se todos nós ficarmos calados e aceitando, quantos mais acreditarão na mentira? Talvez eu não saiba exprimir meus sentimentos de dor, mágoa, repugnância, mas aprendi a dizer a todos esses ‘camisa branca’: não se aproximem de mim, porque eu sou tudo aquilo que vocês não querem.

Refazer aquela parte de mim que ficou profundamente ferida não vai me tornar menos inquieta. A dor dentro caminha lenta como as estações, porque ali, fora da minha janela, de olhos fechados, está aquela parte de mundo que não vale em essência. O verdadeiro cego é aquele que não sabe olhar.

Verdadeiramente, gostaria que cada um dos que foram enganados me contasse qual a cor do seu despertar, pois, com certeza, comparando ao meu, é igual. Acredito que cada um de nós acredita que o valor da consciência moral não está na capacidade de criar grandes obras, mas de ser humano, justo e responsável. Consciência moral é ter uma alma, a que Deus nos deu, e a todos igual: branca. 

Na semana passada, contratei a TIN (Telecom Itália Net Work) para instalação de Internet em minha casa. Por acaso ou coincidência, as duas pessoas responsáveis pela instalação eram de cor, marroquinos. Moro no quinto andar, e o que aconteceu? As pessoas saiam dos apartamentos para obter informações sobre o que eles queriam. Por acaso estavam espionando? Como viram essas duas pessoas no meu apartamento? Não demoraram quinze minutos para que o patrão do condomínio viesse obter as informações e provas documentadas de quem eram e o que queriam. Eu me senti um rato, ou alguma coisa parecida. Pedi desculpas aos dois que, simplesmente cumpriam seu dever de trabalhador, e esses me responderam: ‘estamos acostumados e não é a primeira vez, porque somos de cor’.  O que é a dor da sombra em comparação à dor que li naqueles olhos?

Sei que é difícil de acreditar, mas a dor maior que enfrentamos é o racismo, a falta de sentimentos humanos, a frieza de coração e, por que não dizer, falta de alma. No país onde reina o catolicismo e se prega a igualdade e semelhança de todos os seres.

  - “A Itália não é uma decepção, o que decepcionou, e muito, são os italianos”.

  - “Nunca imaginei que fosse assim”.

  - “Eu só quero juntar dinheiro para poder voltar para casa”.