A alma na pedra
A alma na pedra - U
Marcelo Corrêa e família - Argentinos, no mesmo barco e colocando o coração nas mãos para nos auxiliar;
Casal Balsemin, donos do Condomínio onde moramos agora.
Em especial, porque vou além, e mais acima: amor, no completo significado, aquele que tudo abraça. Obrigada a Cecília e Umberto Ignazzi, de Marostica-VI, que colocaram o coração além do obstáculo para discernir um traço ou intuir ao menos uma esperança em mim e em nós.
Por tudo isso que é graça e sentimento. Pelo meu Deus e pelas coisas que amo e sempre amei que permitem uma palpitação ainda desebsoc5a de alguma coisa feliz, obrigada Paolo Meneghini e Associazione Cuore Triveneto.
Luz, de origem Divina, que apaziguou minha mente quase diariamente: Obrigada, Frei Rovílio Costa. Nunca nem ninguém escreveria palavras concerto, de cor tão azul e santas.
Revendo o silêncio
Na memória dos meus passos sempre existiu um vôo e uma porta abertas, assim, a palavra certa poderia garantir imunidade e retardar o entardecer.
Escolhi, entre todas as coisas do mundo, deixar fluir isso tudo. Sentir, sem nunca desamarrar os pássaros do meu sonho. Voar... No silêncio mágico, no amanhecer, na essência do céu tão lindo. A Sole, que sempre foi submissa à voz dos dias que falavam coisas sem valor decidiu ser forte. Não essa que escreve, não a Sombra, mas a Sole de íntimas cruzes e desafogos confidentes, de sonhos ingênuos, senhora de penumbras e viagens além, antes nunca perturbados.
E agora, Sole? A resposta vinha de um deserto com diferente filosofia, mais real e fria, digamos, de Primeiro Mundo, de um lugar de homens e mulheres de mente ávida, mas coração terreno. Era necessário persistir nos valores do que considero verdadeira manutenção da cultura e das origens em um mundo que me obrigava à arrogância do século, que outra não é, senão uma degeneração antropológica. Nem mesmo o meu/nosso ‘Talian’ parecia bastar como referência da minha identidade. Na não Pátria e não Mãe, o espetáculo não é o silêncio, mas qualquer som privado de significado essencial.
Na sequência dos dias, pouco a pouco, o que era utopia delirante foi se transformando: comecei a ver outras pessoas, os seus confrontos com o próprio ego, com a própria cultura. Não estava sozinha. Aqui vivem pessoas de cinquenta e dois (52) países diferentes, cada uma buscando um lugar, um espaço, mesmo pequeno, para colocar os pés. Para tomar conhecimento dessas pessoas, do que pensam, do que vivem e esperam, existe um modo muito simples: basta viajar nos ônibus ou trens. Basta dar um ‘bom-dia’ a uma pessoa de cor e é facílimo ler nos olhos. Primeiro: ela não é italiana, senão não, cumprimentaria. Segundo: obrigada por me desejar Bom-Dia. Por que extra-comunitário? Porque só esses vão dessa maneira ao trabalho. Aqui todos têm seu próprio carro (quero ressaltar a inteligência materialista: se pode comprar um carro por 500 Euros, até mesmo 100, mas a cada seis meses se deve pagar bem mais que esse valor de seguro, e a cada ano é obrigada uma revisão a custo X).
Difícil se habituar a um país com tantas taxas e impostos: para ter televisor em casa, a RAI cobra anualmente um valor de 150 Euros; para poder ter gás, água e energia elétrica em casa, se paga uma taxa de ligação. Um país onde quase tudo é importado (até mesmo a energia elétrica vem da França). Difícil se habituar à inovação de uma sociedade de Primeiro Mundo, de pessoas que ficavam rindo às nossas costas (almoçávamos na escola e, por sermos brasileiros, somos habituados a escovar os dentes após as refeições. Engraçado, não?). São detalhes pequenos? São. Mas foram acumulando mágoas, porque sempre acreditei que desenvolvimento incluísse compreensão, integração, aceitação, ou seja, a famosa solidariedade universal.
Nunca havia visto antes as pessoas serem humilhadas como aqui: ninguém senta perto de extra-comunitário, algumas pessoas (as não-humanas) os ridicularizam de maneira vulgar e imprópria. Num desses dias assisti uma cena tão deplorável que me fez sentir repugnância: num percurso de 30 km, pararam o ônibus 4 vezes para examinar os bilhetes. Um desses extra-comunitários não tinha o bilhete correto e a pessoa que examinava os bilhetes gritou de modo tão brutal: um documento ou 20 Euros. Umas dez vezes seguidas. A pessoa em questão tinha documentos, mas a residência em outra localidade. Simplesmente, entraram três policiais pela porta detrás do ônibus e mais três pela porta da frente e o levaram: como bandido ou coisa parecida. E ninguém ousou dizer nada a não ser a que escreve: poderiam ao menos falar em particular e não humilhar desse modo. Responderam que devo ser nova aqui e não conheço as normas e que ele era um ‘negro’. Chorei. Pela minha impossibilidade, pela insegurança que nos impõem, pelos olhos com lágrimas desse desconhecido ‘negro’ de alma igual a todas as nossas almas. Outro fato que doeu: uma marroquina entrou no ônibus, com o famoso lenço no rosto (burka) e uma senhora, gentilmente, disse a bom tom: si, si... Scondi la facia sino le mosche te magna. Li abismos profundos naqueles olhos. Sem contar meu silêncio revoltado porque nem adiantaria falar: passando na rua que vai ao supermercado, na praça do correio, duas senhoras de idade conversando: não me liguei logo quando, andando, ouvi a conversa, no dialeto moderno vicentino que vou traduzir: “eles vivem em favelas e andam armados com pistolas, e agora estão todos aqui. Nossa cidade está cheia desses brasileiros.” Remoí a dor dessas palavras por dias, não por não ter dito nada a essas senhoras que, certamente, não sabem nem mesmo da história da emigração/imigração italiana, porque disse mas, pela dor acumulando dentro.
Melhor seria que o meu pensamento fosse um moinho de vento, só movimentando ar, mais nada. Mas é lembrança de realidades percorridas, sinais que o tempo não cancela (mesmo porque nem sabe), saudades de tantas coisas, demais. O pensamento serve somente, ou quem sabe, para escrever uma nota para a canção da experiência.
Brasil, eu te amo!
Pelas tuas raças iguais que te fazem grande. Pelo teu respeito e força moral a todo e qualquer cidadão. Eu te amo, porque, Brasil, tu aceitou meus bisavós que não renunciaram à Cidadania Italiana, o que me permite hoje gritar, além mar, apesar de ser Cittadina Italiana: Eu sou Brasileira! Sinto orgulho de ser Brasileira, de fazer parte de um povo que, apesar das dificuldades, leva adiante com orgulho a sua Bandeira, Ordem e Progresso. Porque somos todas as cores, e todas as cores unidas formam a cor branca, nossa alma igual. Um país lindo, doce, tranqüilo que permitiu a todas as raças subirem nos