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A alma na pedra

A alma na pedra - f

andar juntos, o sonho e eu, caminhando nas manhãs e festejando o sol, doador de ternura e vida. Era tão lindo quando meu coração estava onde minha alma pulsava e se espreguiçava na vida, porque era feito de amor. Meu coração tinha um jeito estranho de injetar o universo nas minhas veias e desenhar hinos ao imenso que se esconde por detrás do sol.

Mas agora... Como olhar as estrelas de um céu mudo se o horizonte foge, eternamente foge, e de braços cruzados?  Eu, Sole, que acreditava no amor das rosas e no crescer do grão, estou aqui, sozinha, com minhas asas doloridas, chorando e  abraçando o tempo. Porque meu coração não consegue roubar grãos nas noites de um céu tão pequeno. Ah! Então eu o arrasto, pobre coração que acreditava (em trajes de gala, porém), pelas estradas onde caminho, proibindo qualquer palavra e digo: “Vai, doce febre. Tu és apenas um raio vagabundo...” E dói, porque sinto que escorre azul de dentro do peito. Meu Deus, quanto dói um coração teimoso numa vida cansada. Eu queria inventar uma mão invisível que cancelasse o que existe dentro. Ou comprar uma lua particular que permitisse que o escuro eterno não despertasse nunca o que deveria ficar calado e embutido. Mas ele persiste e insiste, doce como as nuvens que embalam cachos de céu.

Por mais que eu me esforce, meu coração existe. E escreve por mim. Meu coração não acredita que a verdade esteja sempre na parte que falta ou no incompleto. Ele acredita que ter fé não é o mesmo que raciocinar. Porque a fé é a força. Talvez seja difícil descobrir algo novo, ou mesmo a verdade de tudo isso, porque a vida é gerar e regenerar e talvez (sempre o talvez) buscar o novo, ou respostas a tantos porquês sejam uma falsa solução para o verdadeiro problema. Por que eu não deixo as coisas como estão, sem querer procurar as respostas? É tão simples e fácil fazer de conta que está tudo bem. Eu sofri, então devo deixar que cada um sofra a sua parte, porque buscou da mesma forma que eu busquei um novo caminho. Mas não é justo, e não aceito injustiças planejadas.

Às vezes, entro em confronto comigo mesma, sinto o rumor das vozes e espadas do meu anjo e do meu demônio de dentro: um quer o domínio da aparência sobre a substância oculta, o outro está completamente convencido que é apenas contorno. É um vazio, um poço sem fundo. Então, me sinto uma terceira pessoa nessa história e desejo encontrar o ponto de partida. E quero chegar: inventar um novo estatuto, mudar o ângulo visual, escrever ou falar publicamente, entender porquê, no intercâmbio entre o feito e o não feito, não existe a garantia de um soberano equilíbrio. O que me responderiam esses que nos conduziram a esse caminho se eu perguntasse a eles o que entendem de presença e de ausência?

E se a vida é o presente, o momento... O que é o momento passado? Sou, por acaso, um ser com asas obrigado a não voar? É verdadeiramente fácil estruturar qualquer coisa nesse ciclo habituado a materialistas. Mas não me sinto vinculada a isso. Acredito que em algum lugar, além do céu e além do mar, existe uma varinha de condão que, com seu toque mágico, transforme essa solidão imposta em presença. Acredito em Deus, na sua bondade e na sua justiça. Quem senão Deus pode fazer o milagre? Por meu Deus e minha fé, continuo compositora obstinada. Eu ainda acredito.

Há pouco tempo, um amigo me disse que eu era como um rio que repentinamente se transforma em cascata e acaba envolvendo tudo. Que eu seja o rio, e que a verdade seja o mar. A vida é por demais importante, e não deveria ser assim tão frágil. O que escrevo vai somente até onde a palavra é amorosamente sonhada. Falta tanto do que foi vivido e sentido. Falta a essência da dor, falta muito do conteúdo da sombra, do grito, do silêncio, da mágoa, das humilhações. Não consigo ser tão terrena e descrever com os pés no chão o que verdadeiramente dói dentro. Porque é dentro demais e o choro vem para os olhos impedindo até mesmo de ver o que escrevo. É uma dor tão grande que transpassa o peito, envolve a alma e me trai, porque o coração e a dor escrevem e eu sei que um pequeno sopro de vento pode apagar a chama, a luz e as minhas vontades. Mas não o fluir da minha vida ainda tão cheia de medos e inseguranças. Vou perder amigos pelo que meu coração escreve. Vou perder contatos. Vou ouvir desaforos. Mas são os sopros de vento que não vão conseguir apagar a minha verdade. Seria tão fácil cancelar tudo como em computador ou com uma borracha. Se a verdade fosse cancelada. Mas não é. Ela continua dentro, doendo, doendo, doendo. E eu quero deixar a minha alma nos caminhos por onde andei e, junto, todas as coisas que fiz por amor. Se me coloquei desde menina com os passos leves sobre as manhãs que tocavam os prados, se recolhi mil sonhos e ilusões, o eco frágil do mar, e os guardei dentro do coração (a parte mais bonita de mim); se sou submissa aos diálogos da terra ao céu, ao medo de instantes incandescentes e às colinas de luz sobre os meus quatro muros de liberdade... Meu Deus... Para sobreviver ao que chamamos Projeto Rientro seria necessário o encanto. E este faltou. Juntamente com tudo o que consideramos tão simples e descobrimos tarde que é tão necessário à sobrevivência: respeito.

Sem magoar amigos, sem desmerecer as pessoas que foram maravilhosas com todos nós: brasileiros, argentinos e sul-americanos... Sem desfazer a verdade de cada um. Seriam tantas a verdades, algumas mais doloridas que a minha, e não estou autorizada a descrever.

Que a minha mágoa e dor sejam uma luz para os que desejam seguir o sonho.

E se alguém seguir o sonho, que esse tenha asas que saibam voar além da realidade materialista do primeiro mundo. Fiz do meu coração uma aquarela e da minha alma uma tela para poder colorir a verdade nua e crua. Que essa possa entrar no profundo de cada um e ser um sinal, um aviso, uma maneira de entender o meu carinho por todos os que passaram pelos mesmos caminhos que passei e o meu respeito àqueles que ainda pensam vir, andar e sonhar.

 

   

Sole

14 Junho 2004

 

PS.: Em 03 de abril de 2005, fui a primeira Candidata ao Consiglio Regionale Del Veneto, nascida fora da Itália, e já seria outra história. Voltei para o Brasil, meu Estado Rio Grande do Sul, meu BRASIL, em 09 de abril de 2005.